sexta-feira, 29 de abril de 2011

Bahia, 1798: A Revolução dos Jacobinos Negros

Alguns acontecimentos do passado são lembrados, festejados e registrados. Outros, ao contrário, tão ou mais significativos, são apenas conhecidos e, não raro, esquecidos. Como na sociedade dos homens, também não há justiça na história. A chamada Conspiração dos Alfaiates, ocorrida em 1798, em Salvador, apesar de constituir o mais radical movimento independentista ocorrido nos territórios do atual Brasil, completará 210 anos, em 12 de gosto, sem certamente receber o devido registro.
O mundo estava convulsionado, em fins do século 18. A maré revolucionária francesa chegara ao ápice, em 1794. Na Europa dos reis, propusera-se que todos os homens eram iguais e iguais direitos à felicidade tinham. E que tal destino seria cumprido, nem que para isso o mundo fosse colocado de pés para cima.
Na mais rica colônia açucareira francesa, proprietários tentaram autonomizar-se e homens livres de cor reivindicaram a cidadania prometida em 1789, facilitando a insurreição dos cativos, em agosto de 1791, que pôs fim à escravidão e fundando o Haiti, segundo território da América a libertar-se do colonialismo, depois dos USA, e o primeiro a abolir a escravidão. Em 1789, a colônia francesa possuía 523 mil habitantes — 27 mil homens livres de cor e 465.500, escravos!
Desde 1789, o arcaico Estado absolutista lusitano mobilizara-se para que as idéias revolucionárias, democráticas e liberais — as temidas francezias — não chegassem à metrópole e às colônias. No Brasil, os raros visitantes estrangeiros eram seguidos e vigiados e as bagagens dos navios aportados, minuciosamente revistadas, à procura de livros e papéis subversivos. Na Colônia lusitana não havia uma só imprensa!
A vigilância era particularmente estreita em Salvador, o principal porto do Brasil colonial. Com sessenta mil habitantes, a ex-capital colonial, com ruas estreitas, irregulares e sujas, ladeiras íngremes, igrejas, mosteiros, casas térreas e sobrados de até quatro andares, era a segunda metrópole do império lusitano, após a populosa Lisboa, com cem mil moradores. Dois terço da população de Salvador era negra e mestiça; um terço, branca e nativa. A cidade não possuía uma só livraria!
Em 1798, apesar das dificuldades da produção colonial, a Bahia vivia relativo auge econômico, exportando, através do animado porto de Salvador, açúcar, algodão, anil, pipas de aguardente, fumo em rolo e muitos outros produtos, chegados do Recôncavo e do interior da capitania. Apesar de sua riqueza comercial, Salvador dependia da produção rural, já que praticamente nada produzia. Autoritárias determinações metropolitanas proibiam a produção manufatureira nas colônias luso-brasileiras.
Em cima do muro
O governador Fernando José de Portugal seria acusado de anterior complacência para com os conspiradores. Efetivamente, havia muito que ele sabia da difusão de francezias na Bahia, devido à denúncia, em agosto/setembro de 1797, do coronel Francisco José de Mattos Ferreira e Lucena, comandante do Segundo Regimento de Linha. O governador minimizara os atos e apenas repreendera, verbalmente, o tenente Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja, o mais visível dos adictos às idéias européias.A historiografia tradicional apontou a proverbial “bonomia” e falta de iniciativa de Fernando de Portugal como motivos da sua apatia anterior a 12 de agosto, diante da ação dos conspiradores. A consciência do governador da impossibilidade de manter, através da mera repressão, o império colonial português, explica seu comportamento diante das “francezias” baianas, que foi interpretada pelos absolutistas como complacência e pelos conspiradores simpatia.
Os conspiradores pretendiam manter o governador no seu posto, após aderir ao novo governo. A contemporizasse com o liberalismo de Fernando de Portugal deveria-se também ao incerto resultado do confronto europeu entre a França revolucionária e os Estados absolutistas. Os conspiradores acreditavam em um eventual desembarque francês na Bahia. É crível que, sob sugestão dos revolucionários baianos, um oficial francês apresentou, em agosto de 1897, ao Diretório, proposta de ataque à Salvador e apoio aos conspiradores. Fato que certamente confirma o envolvimento de franceses nas deliberações sobre a revolta.
O status racial e jurídico dos conspiradores ilumina-nos sobre a essência da revolta, nos seus momentos finais. Dos inculpados, dez eram brancos e os 24 restantes, homens de cor – pardos, pardos claros, pardos escuros, pardos trigueiros e pardos fuscos. Negro havia apenas um, como assinalou o próprio governador, em correspondência com Portugal. Tratava-se de um cativo procedente da costa da Mina.
No relativo às atividades profissionais, havia sobretudo soldados e oficiais da tropa paga e alfaiates, além de um professor, dois ourives, um bordador, um pedreiro, um negociante, um carapina e um cirurgião prático. Homens que viviam, portanto, do seu trabalho. Dentre os inculpados, 23 eram homens livres ou libertos e 11, escravos! Os últimos eram, em grande maioria, cativos com habilidades artesanais postos ao aluguel – alfaiates, sapateiro, cabeleireiro, etc.

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